Biomórficos
Biomórficos
O vocábulo emprestado, biomórfico, chega no debate em meados de 1930, referindo-se a trabalhos surrealistas tais como os de Jean Arp. Palavra essa, nos ajuda a espreitar as imagens da jornada poética e colaborativa da dupla de artistas Nani Silveira e Carlos Januário. Pois seus trabalhos e processos se conjugam na afinidade com o orgânico.
Biomórfica é qualidade de formas ou imagens capazes de evocar a vida. Supõe a congruência entre estrutura e superfície dos corpos, própria dos processos de morfogênese dos seres vivos. Não obstante, em arte, também indicou impulsos poéticos fragmentários: do pedaço transformado em objeto autônomo, capaz de capturar as pulsões do sujeito.
Engajados com a cozinha da cerâmica, Silveira e Januário encontraram os meios de explorar o interesse mútuo pela forma da vida e a oportunidade de simbiose dos seus imaginários, ser deixar de lado a extensão semiótica e cultural do termo biomórfico. Suas peças muitas vezes apresentam congruência entre estrutura e superfície. Em outros casos, múltiplos similares desmancham o suporte, fazendo existir o alastramento de um organismo simples liberado de base prévia, mas cuja ordem topológica não pode ser explicada apenas a partir de cada módulo. Fica na sua ocorrência a sensação de uma abrangência impossível.
Estas sugestões, intuídas a partir dos trabalhos, remontam a produção das peças. Pois a colaboração conduziu não apenas à integração mútua de operações e à lisa mistura de imaginários. Resultou na transformação do processo artístico através do dissenso. Na mutação dos monólogos em diálogos modelados no barro.
As peças queimadas tanto são consequências de uma concordância inicial entre as poéticas de Silveira e Januário, quanto decorrências de negociações entre suas pretensões divergentes. Um debate, às vezes silencioso, avesso à palavra. Materializadas em contato, suas imaginações causam pequenos choques, interferências mútuas nos pressupostos subjetivos, através das sutilezas dos materiais e das configurações literais das suas peças. Ali estão, neste contato, as margens incertas do colapso inevitável, onde o diálogo promete aplicar uma finta nos defensores do previsível e conceder ao permanente uma dádiva: a graça da transitoriedade da vida.